Catequese: A
alegria do encontro com Jesus Cristo
Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa
I. NO CORAÇÃO DA CATEQUESE
A importância do encontro
1. “No início do ser cristão não há
uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com
uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, um rumo decisivo”.
A afirmação é do Papa Bento XVI, que lhe deu especial relevo, ao inseri-la na
introdução da sua primeira encíclica, “Deus é Amor”, o documento programático
do seu pontificado. Dois anos depois repetiu-a, a nós bispos portugueses, na
visita ad limina apostolorum, acrescentando: “A evangelização
da pessoa e das comunidades depende totalmente da existência ou não deste
encontro com Jesus Cristo”[1]. Encontro da parte de quem é evangelizado
e de quem evangeliza.
O Papa Francisco, também na introdução da Exortação Apostólica “A Alegria
do Evangelho”, de caráter igualmente programático, dirige-se a evangelizadores
e é ainda mais interpelativo: “Convido todo o cristão, em qualquer lugar e
situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus
Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O
procurar no dia a dia sem cessar”[2]. E retoma o tema no capítulo final, aí a
propósito dos efeitos do encontro na ação evangelizadora: “Não se pode
perseverar numa evangelização cheia de ardor se não se está convencido, por
experiência própria, de que não é a mesma coisa ter conhecido Jesus ou não o
conhecer; não é a mesma coisa poder escutá-l’O ou ignorar a sua Palavra; não é
a mesma coisa poder contemplá-l’O, adorá-l’O, descansar n’Ele ou não o poder
fazer. (…) O verdadeiro missionário, que não deixa jamais de ser discípulo,
sabe que Jesus caminha com ele, fala com ele, respira com ele, trabalha com
ele. Sente Jesus vivo com ele, no meio do compromisso missionário. Se uma
pessoa não O descobre presente no coração mesmo da entrega missionária,
depressa perde o entusiasmo e deixa de estar seguro do que transmite,
faltam-lhe força e paixão. E uma pessoa que não está convencida, entusiasmada,
segura, enamorada, não convence ninguém”[3].
A urgência do encontro
2. Tanta insistência já é sinal de urgência – uma
urgência sentida em todos os tempos, mas particularmente desde o II Concílio
Ecuménico do Vaticano, passando pelos pontificados que se lhe seguiram até ao
do Papa Francisco. Entre os motivos, o próprio Papa, na nossa mais recente
visita ad limina,[4] realçou o que mais diretamente se
prende com a catequese: o “grande número de adolescentes e jovens que abandonam
a prática cristã, depois do sacramento do Crisma”, isto é,
“precisamente na idade em que lhe(s) é dado tomar as rédeas da vida nas suas
mãos” e depois de um longo percurso de catequese. Que isto é preocupante, já há
muito o sentíamos. Por isso, como nos pediu o Papa, temos de perguntar-nos: “A
juventude deixa, porque assim o decide? Decide assim, porque não lhe interessa
a oferta recebida? Não lhe interessa a oferta, porque não dá resposta às
questões e interrogações que hoje a inquietam? Não será simplesmente porque, há
muito, deixou de lhe servir o vestido da Primeira Comunhão, e mudou-o? É
possível que a comunidade cristã insista em vestir-lho?”
Embora as perguntas incidam primariamente sobre a catequese da
adolescência, não podemos restringi-las a ela. Em muitas comunidades o abandono
começa já a seguir à Primeira Comunhão ou à Festa da Fé, isto é, dentro do
percurso seguido entre nós, depois de apenas três ou seis anos de catequese.
Aliás o próprio Papa, no mesmo discurso, dá-nos razão, ao apontar como causa,
não os catecismos, nos quais, segundo pensa, está “bem apresentada a figura e a
vida de Jesus”, mas sim a dificuldade em “encontrá-l’O no testemunho de vida do
catequista e de toda a comunidade que o envia e sustenta”. E depois situa esse
testemunho no único modelo de catequese realmente apto, em qualquer fase
etária, para o encontro com Cristo: “Ao catequista e a toda a comunidade é
pedido para passar do modelo escolar ao catecumenal:
não apenas conhecimentos cerebrais, mas encontro pessoal com Jesus Cristo,
vivido em dinâmica vocacional segundo a qual Deus chama e o ser humano
responde”.
Apesar de todos os esforços em contrário, reconhecemos que entre nós ainda
é o modelo escolar que predomina, apoiado aliás por outros fatores: a redução
da catequese a um encontro semanal, por vezes em apertados horários
pós-escolares e a par ou mesmo em concorrência com atividades formativas ou
recreativas talvez mais aliciantes; uma calendarização idêntica à da escola,
com os catequizandos ausentes das maiores celebrações, como as da Páscoa e do
Natal, por se realizarem em tempo de férias; a instrumentalização das
celebrações ao longo do percurso catequético, incluindo a do Crisma, para
segurar os catequizandos até, uma vez crismados, deixarem a Igreja como deixam
a escola; a linguagem usada, predominantemente escolar – “matrículas”, “exames”
“aulas”, “alunos” e a identificação destes por anos, como na escola.
3. Mas, além do abandono ou a par dele, há mais razões
para a urgente adoção do modelo de catequese catecumenal. São elas, entre
outras:
·
“A rutura na transmissão geracional da fé cristã no povo católico” de que
fala o Papa Francisco, acrescentando como consequências: “É inegável que muitos
se sentem desiludidos e deixam de se identificar com a tradição católica, que
cresceu o número de pais que não batizam os seus filhos nem os ensinam a rezar,
e que há um certo êxodo para outras comunidades de fé”[5]. Basta olhar para a maioria das crianças
que entre nós iniciam a catequese, para constatarmos como o Papa tem razão.
·
O secularismo que penetra cada vez mais a consciência e vida das pessoas,
levando-as a pensar e agir sem Deus. E isto até em muitos que ainda se dizem
cristãos, mas que tomam decisões e adotam estilos de vida absolutamente
adversos à fé. E quando Deus está ausente, também os fundamentos antropológicos
se diluem, perdendo-se o sentido da transcendência e da dignidade da pessoa humana.
·
A degradação de famílias, atingidas pelo individualismo e a dependência dos
meios informáticos, que impedem o encontro e o diálogo entre os seus membros;
ou de famílias vítimas de desagregação e da consequente separação entre pais e
entre estes e os filhos, sobretudo em casos de divórcio.
·
A globalização, a dois níveis: ao nível das redes sociais em que
principalmente as gerações mais jovens são confrontadas com inúmeras
informações, solicitações e propostas, entre si tão diversas e mesmo
contraditórias, que só criam nas suas mentes e atitudes a confusão e o
relativismo que em nada favorecem uma opção de fé em Deus esclarecida e
convicta; e a nível do urbanismo, com a sua cultura propícia ao individualismo
e pluralismo ético, em que cada um seleciona as ideias e os comportamentos, não
segundo o critério da verdade e autenticidade, mas consoante as conveniências
pessoais.
As oportunidades para o encontro
4. Estes e outros fenómenos não são, porém, apenas e em
tudo negativos. São antes, como escreve o Papa Francisco, ocasiões e
“motivações para um renovado impulso missionário”[6], a exemplo do que aconteceu com a Igreja
em outras épocas da história bem mais adversas para ela e, sobretudo, com o
próprio Cristo que da morte mais ignominiosa fez o auge da oferta da vida,
aquele ato supremo de amor do qual nasceu e vive a Igreja.
E, de facto, das sombras referidas já começam a emergir, na sociedade e na
Igreja, sinais de desejo de Deus e abertura à fé,
expressões de vida nova. Eis alguns exemplos:
·
Genericamente, uma crescente procura de espiritualidade, o desejo mais
intenso de liberdade interior (a liberdade especificamente cristã), uma dedicação
mais longa e frequente à solidariedade, uma renovada valorização da memória e
dos sinais religiosos, um maior apreço pelo património moral e artístico do
cristianismo.
·
A nível familiar, encontramos cada vez mais famílias em que se preza e
promove o convívio entre os seus membros; pais, avós e outros encarregados de
educação que se preocupam em acompanhar os filhos num desenvolvimento integral
e harmonioso, esforçando-se por participar e colaborar ativamente com outras
instituições educativas, como a escola e a Igreja.
·
Num âmbito especificamente cristão, aumenta o número de adultos e jovens
que (re)descobrem a fé e se empenham na missão, ou de crianças que se deixam
encantar por Jesus, não por pressão externa, como seria em regime de
cristandade, mas por uma convicção de fé pessoal e livre, muitas vezes testada
por um meio ambiente adverso; como aumentam também as comunidades cristãs,
mormente em meios urbanos, nas quais, contra o individualismo e o anonimato, se
cultiva o convívio entre os seus membros, de níveis culturais e sociais
diferentes, mas unidos pela mesma fé.
Tudo isto se situa, sem dúvida, nos “inúmeros sinais da sede de Deus, do
sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita e
negativamente”, de que fala Bento XVI a propósito da desertificação espiritual
que se tem apoderado da sociedade atual. É aí, continua o mesmo Papa, que
“existe sobretudo a necessidade de pessoas de fé que, com as suas próprias
vidas indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo viva a esperança”[7] – cristãos que, nas suas vidas,
transmitam Cristo a tantas pessoas que O procuram, muitas talvez sem disso
terem consciência.
Sinais de uma catequese renovada
5. Que esses cristãos existem entre nós, empenhados
nomeadamente na catequese, mostram-no as respostas recebidas das nossas
dioceses ao documento de trabalho que lhes foi enviado para reflexão e
participação sinodal na elaboração desta carta pastoral. A eles se devem muitos
dos sinais de renovação referidos nessas respostas:
·
Uma compreensão mais integral da catequese que abrange, além do ensino, a
dimensão celebrativa e orante e a prática do Evangelho;
·
A renovação pedagógica que ajuda a relacionar a fé e a vida e a valorizar o
lugar da liturgia, com realce para a Eucaristia, na formação cristã;
·
Iniciativas diversas para, em colaboração com a catequese paroquial,
envolver as famílias na formação e educação cristã dos filhos;
·
Preocupação em conjugar a catequese com a vida das comunidades cristãs,
suas células e movimentos eclesiais;
·
Perfil renovado do catequista, com mais consciência da necessidade de
formação permanente, tanto nos conhecimentos como na vivência da fé;
·
Participação de muitos jovens, a par de adultos, no serviço da catequese,
com os correspondentes frutos no seu crescimento cristão;
·
Intensificação da dimensão missionária da catequese, no sentido de cativar
ausentes, despertando nomeadamente os pais para a sua própria formação;
·
Experiências reformadoras e inovadoras na catequese dos adolescentes.
São sinais de renovação que nos enchem de alegria e esperança e pelos quais
damos graças ao Senhor. A Ele os devemos, à sua presença viva e ativa naqueles
que com Ele se encontram e d’Ele recebem o discernimento e o entusiasmo que os
fazem suas testemunhas credíveis.
Mas, confiados no mesmo Senhor, queremos ir mais além. Na sequência de
outros documentos por nós publicados – a “Carta Pastoral sobre a renovação da
Igreja em Portugal na fidelidade às orientações do Concílio e às exigências do
nosso tempo” (1984), as “Orientações para a catequese atual” sob o título “Para
que acreditem e tenham vida” (2005) e, mais recentemente, a “Nota Pastoral:
Promover a renovação da pastoral da Igreja em Portugal” (2013) – queremos que a
renovação passe de sinais mais ou menos incipientes e isolados e seja
plenamente assumida em todas as comunidades cristãs. Move-nos, como ao Apóstolo
Paulo, a firme convicção de que estamos no tempo favorável,
no dia da salvação (2 Cor 6, 2) – para o encontro com
Jesus Cristo, imprescindível para o acolhimento e o anúncio do seu Evangelho.
II. É CRISTO QUE VEM AO NOSSO ENCONTRO
Jesus Cristo ressuscitado…
6. É como ressuscitado que Ele continua a vir ao nosso
encontro, nos conquista e transforma. Como fez com as primeiras testemunhas, as oculares. Aliás, é no
testemunho delas que nos fundamentamos. Por várias razões e em diversos
sentidos:
Antes de mais porque são elas a prova mais convincente de que a
ressurreição de Jesus – que se processou entre Ele e Deus e, portanto, fora do
espaço e do tempo acessíveis aos meios humanos de investigação científica – “é
um acontecimento real, com manifestações historicamente verificadas”[8]. Há também o sepulcro vazio. Mas “a
ausência do corpo de Cristo poderia explicar-se de outro modo”[9]. Ao passo que naqueles a quem Ele se
manifestou deixou sinais da sua ressurreição na
vida nova que lhes transmitiu: da mais profunda desilusão e tristeza passaram à
maior alegria e entusiasmo; de um medo paralisante, ao anúncio mais corajoso;
de mortífero perseguidor, no caso de Paulo, ao mais incansável evangelizador.
Tudo, diz o Apóstolo, devido ao bem supremo, que é o
conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor (Fil 3, 8).
E foi assim, “como testemunhas do Ressuscitado”, que eles se tornaram “as pedras do alicerce da sua Igreja”[10]. Foi do seu testemunho que ela nasceu e
vive, a começar pela primeira comunidade de Jerusalém, formada a partir da
pregação de Pedro e modelo para as Igrejas de todos os tempos e lugares. Como
nela, ainda hoje os cristãos são ou devem ser assíduos ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do
pão e às orações (At 2, 42). Atividades em que o
Ressuscitado vem igualmente ao nosso encontro, para d’Ele, com Ele e para Ele
vivermos.
Aliás, muitas das suas aparições estão decalcadas nessas atividades. Desde
logo o dia em que se deram: sobretudo o primeiro dia da semana (Mt
28, 1; Lc 24, 1; Jo 20, 1.19), que, por isso e ainda durante a formação do Novo
Testamento, passou a ser chamado Dia do Senhor ou Domingo (Ap 1, 10), festejado com a celebração da
Eucaristia (cf. At 20, 7) e a partilha de bens, própria da comunhão fraterna
(cf. 1 Cor 16, 2). E foi em contexto eucarístico que Ele se manifestou aos
discípulos junto do lago de Tiberíades (cf. Jo 21, 9-13); e de modo ainda mais
evidente aos dois de Emaús que o reconheceram, ao partir do pão (Lc 24, 30.31.35); mas já antes,
diziam eles, ardia cá dentro o nosso coração, quando Ele
nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras (Lc 24,
32). Um esquema que perdura até hoje, na celebração da Missa, com a liturgia da
palavra e a eucarística.
7. Mas o Ressuscitado que,
desses e de outros modos, vem ao nosso encontro, é também o Crucificado – aquele que, na morte,
Deu a sua vida por nós (1 Jo 3, 16).
Morte e ressurreição de Jesus são duas partes do mesmo acontecimento, numa
indissociável interdependência: não tanto e apenas porque a morte é condição
natural para a ressurreição, mas sobretudo porque foi o modo como Jesus
enfrentou a morte que levou Deus a ressuscitá-l’O. Dito por S. Paulo: Porque Ele,
depois de encarnar, se humilhou ainda mais,
obedecendo até à morte e morte de cruz, por isso Deus O exaltou e lhe deu um
nome que está acima de todos os nomes (Fil 2, 8-9).
A exaltação (como dimensão gloriosa da ressurreição) deve-se, pois, à
obediência ou entrega a Deus, àquele Deus que amou tanto o mundo que entregou
o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas
tenha a vida eterna (Jo 3, 16), o Deus que nem sequer poupou o próprio Filho, mas O entregou por todos nós (Rom
8, 32). O próprio Jesus interpreta a sua morte como auge desse amor: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos (Jo
15, 13). E por isso a sua morte já é para Ele exaltação: Quando eu for elevado da terra atrairei todos a mim (Jo
12, 32; cf. 3, 14; 8, 28). A elevação de que fala é, simultaneamente, a da cruz
e a da glória; e a atração universal é a de um amor extremo e irresistível.
Quem se não deixa atrair por alguém que dá totalmente a vida por todos nós?!
E foi assim, como crucificado e ressuscitado, que Ele se
manifestou. Aos discípulos, fechados em casa com medo dos judeus, apresentou-se no meio deles (…)
e mostrou-lhes as mãos e o lado (Jo 20, 19-20; cf.
Lc 24, 39): as mãos que lhe tinham cravado na cruz; e o peito que, já morto,
tinha sido trespassado pela lança do soldado e do qual logo saiu sangue e água (Jo 19, 34), os últimos
restos de vida. Gestos que, oito dias depois, repete diante do incrédulo Tomé e
perante os quais ele se rende, com a confissão de fé: Meu Senhor e meu Deus! (Jo 20, 28).
8. Mas há outros sinais do mesmo amor do Crucificado comunicado enquanto Ressuscitado.
Desde logo a iniciativa das aparições e a sua consequente gratuidade: não são
os discípulos que O procuram; é Ele que vai ao seu encontro e de um modo para
eles totalmente inesperado e imerecido. Assim aconteceu com os dois que,
frustrados e tristes, abandonavam Jerusalém e regressavam a Emaús: foi Jesus
que se aproximou deles e se pôs com eles a caminho (Lc
24, 15).
E a Pedro: foi Ele que lhe apareceu (à
letra, se deu a ver, Lc 24, 34) – ao mesmo Simão Pedro que
antes O tinha renegado três vezes e a quem, talvez por isso, exigiu uma
tríplice declaração de amor, antes de o enviar a apascentar a sua Igreja, como
mediador do amor e perdão manifestado na cruz (cf. Jo 21, 15-17; 20, 23).
O caso mais extremo é o de Paulo, que, no seu dizer, foi alcançado por Cristo Jesus (Fil 3, 12),
precisamente quando, na pessoa dos seus discípulos, perseguia a Igreja de Deus.
Por isso, confessa ele, não sou digno de ser chamado
apóstolo. E acrescenta: Mas, pela graça de Deus, sou
aquilo que sou, e a graça que Ele me deu não foi inútil. Pelo contrário, tenho
trabalhado mais que todos eles; não eu, mas a graça de Deus que está comigo (1
Cor 15, 9-10). Isto é, Paulo passou a estar possuído pela mesma graça, o mesmo
amor com que Cristo o converteu e desde então nele atua, como seu apóstolo.
Outro modo de o Ressuscitado exprimir esse amor é pelo nome, identificativo
da pessoa. Quem ama procura tratar pelo nome a pessoa amada. Assim aconteceu
com Maria Madalena em busca do corpo de Jesus e a falar com Ele, mas pensando
tratar-se do jardineiro. «Maria!» –
diz-lhe Ele (Jo 20, 16). Só então ela O reconhece: ao sentir-se por Ele amada,
com o amor que, desde a cruz, O identifica ainda mais e que Ele atualiza para
com ela, chamando-a pelo nome.
O mesmo fez com Paulo, ao interpelá-lo: Saúl, Saúl, porque me
persegues? (At 9, 4; 22, 7; 26, 14). Neste caso o amor é ainda
maior: é a um inimigo, como os que O tinham crucificado. Por isso o chama pelo
nome hebraico e na versão hebraica que mais assim o identifica (em grego seria
“Saulo”). Como o próprio escreve, ele perseguia a Cristo por ser fariseu e, como tal, extremamente zeloso das
tradições dos meus pais (Fil 3, 5; Gal 1, 14).
Temos, enfim, a fração do pão no termo da caminhada do Ressuscitado com os
discípulos de Emaús, quando Ele se pôs à mesa, tomou
o pão, recitou a bênção, partiu-o e entregou-lho (Lc 24, 30).
Qualquer leitor cristão associa a estes gestos as palavras que, desde a Última
Ceia até às celebrações eucarísticas atuais, os completam e lhes dão sentido:
“Isto é o meu Corpo, que será entregue por vós”; “Este é o cálice do meu
Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por
todos, para remissão dos pecados”. Diz o Papa Bento XVI, a propósito destas
palavras de Jesus: “Ao fazer do pão o seu Corpo e do vinho o seu Sangue, Ele
antecipa a morte, aceita-a no seu íntimo e transforma-a numa ação de amor.
Aquilo que exteriormente é violência brutal – a crucifixão – torna-se
interiormente um gesto de amor que se doa totalmente”[11].
E porque os dois se viram assim por Ele amados, por isso nesse momento se lhes abriram os olhos e O reconheceram…
E partiram imediatamente de regresso a Jerusalém, para
levarem aos Onze e aos que estavam com eles o testemunho da experiência
recebida, o feliz anúncio do Ressuscitado (Lc 24, 31.33.35).
A centralidade do querigma
9. A reação destes dois discípulos é idêntica à das
restantes testemunhas. Também Maria Madalena foi anunciar aos
discípulos: Vi o Senhor. E eles a Tomé: Vimos o Senhor (Jo 20, 18.25). E Paulo, apenas
batizado por Ananias e ainda em Damasco, começou logo a proclamar nas
sinagogas que Jesus era o Filho de Deus (At 9, 20). De resto,
no final de todos os quatro Evangelhos, Jesus despede-se dos discípulos com um
mandato semelhante ao de Lc 24, 46-48: Assim está escrito que o
Messias havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia e que havia
de ser pregado em seu nome o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as
nações, começando por Jerusalém. Vós sois testemunhas de todas estas coisas.
A testemunha tem habitualmente um conhecimento
empírico, vivenciado do que fala – um conhecimento que até pode ser
determinante para o seu próprio ser e agir e nele se refletir, tratando-se
sobretudo de uma experiência do sagrado, como é o encontro com Jesus Cristo
Senhor. Era o caso dos Apóstolos Pedro e João, depois de curarem um
paralítico, em nome de Jesus Cristo Nazareno (At
3, 6), e a concluir, perante o Sinédrio, o anúncio da morte e ressurreição de
Cristo Jesus: E nós somos testemunhas destes factos, nós e o
Espírito Santo que Deus tem concedido àqueles que lhe obedecem (At
5, 32). O Espírito de que falam, fora-lhes infundido pelo Ressuscitado (cf. Jo
20, 22; At 2, 33); e este passou, desde então, a estar de tal modo presente
neles, que os torna mediadores da sua salvação. São suas testemunhas pela ação
e pela palavra. Quem os capacitou para a cura é o mesmo que anunciam pela
palavra.
O mesmo diz e faz o Apóstolo Paulo ao apresentar-se como ministro da reconciliação, no contexto da sua conversão e
vocação: O mesmo Deus, que em Cristo reconcilia o
mundo consigo, também por Cristo nos reconciliou
consigo e nos confiou o ministério da reconciliação, (…) confiando-nos a palavra da reconciliação – a
palavra que ele transmite como embaixador de Cristo e
com Deus a exortar por meio dele: Nós vos pedimos em nome de
Cristo: deixai-vos reconciliar com Deus (2 Cor 5, 18-20).
Transmite a reconciliação que Deus, em Cristo crucificado, fez com toda a
humanidade e com o próprio, quando o mesmo Cristo lhe apareceu, capacitando-o
desse modo, para ser mediador dessa reconciliação. Encarnou assim a mensagem
que passou a anunciar; e anuncia-a, encarnada na sua própria vida, no exercício
do seu ministério.
10. E a isso é que ele atribui muito do poder persuasivo, da eficácia da mensagem.
Por exemplo, em Corinto, onde – como ele recorda em 1 Cor 2, 2-5 – me apresentei diante de vós, cheio de fraqueza e de temor e a
tremer deveras. Mas foi por isso que eles acreditaram: por verem, ao
vivo, no estado lastimoso do Apóstolo, o Evangelho que anunciava – Jesus Cristo crucificado e, ao mesmo tempo, a poderosa manifestação do Espírito, o mesmo Espírito
que levara Cristo a vencer a morte e agora leva o Apóstolo a dar-se com
semelhante intensidade.
É que o amor fortalece-se, quando provado pelo sofrimento. Torna-se mais
naquele amor que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo
suporta e, por isso, não acaba nunca,
escreve ele no hino à caridade da mesma carta (1 Cor 13, 7-8). E isto, a
propósito da Igreja, antes apresentada como um corpo em que os membros, com diferentes
funções, se completam e unem no mesmo Espírito,
no mesmo Senhor (Jesus) e no mesmo Deus (1 Cor 12, 4-5). Por isso lhe
chama corpo de Cristo (1 Cor 12, 27), isto é, uma
comunidade em que Cristo atua e se manifesta – com o seu amor ilimitado e na comunhão
eclesial que dele nasce e vive.
Que esta comunhão tinha e tem um enorme potencial evangelizador e atrativo,
pode ver-se na primeira comunidade de Jerusalém: porque todos os que haviam abraçado a fé viviam unidos e tinham tudo em
comum (…), todos os dias frequentavam o templo, como se tivessem uma só alma, e
partiam o pão em suas casas (…), por isso gozavam da simpatia de todo o povo, e o Senhor aumentava todos os
dias o número dos que deviam salvar-se (At 2, 44-47).
11. É neste alargado contexto querigmático que pode e
deve situar-se também a catequese, na dimensão em que dela escreve o Papa
Francisco:
“Uma catequese querigmática”[12].
Trata-se do primeiro anúncio enquanto, no
seu dizer, “também na catequese tem um papel fundamental”. Por isso, continua o
Papa, ele se chama «primeiro»: não no sentido de que “se situa no princípio e,
em seguida, se esquece ou substitui por outros conteúdos que o superam”; mas
“em sentido qualitativo, porque é o anúncio principal, aquele
que se tem de voltar a ouvir sempre de diferentes maneiras e aquele que se tem
de voltar a anunciar sempre, de uma forma ou de outra, durante a catequese, em
todas as suas etapas e momentos”. Tem, nomeadamente, de voltar a ressoar sempre
“na boca do catequista (…): «Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te
salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer,
libertar»”[13].
É que, explica o Papa, “toda a formação cristã é, primariamente, o
aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne,
que nunca deixa de iluminar a tarefa catequética e permite compreender
adequadamente o sentido de qualquer tema que se desenvolve na catequese. É o
anúncio que dá resposta ao anseio de infinito que existe em todo o coração
humano”[14].
12. Isto significa, antes de mais, que a catequese se não pode reduzir à transmissão de
conteúdos doutrinais, como no modelo escolar. A transmissão tem de fazer-se de modo vivenciado, inserida no encontro com Jesus
Cristo. De resto, todo o encontro de catequese tem de ser encontro
com Ele. Porque é Ele quem, vindo ao nosso encontro, nos pode despertar para a
fé, uma fé que atinja todo o nosso ser: a cabeça, o coração e as mãos, que,
segundo o Papa Francisco, necessariamente se correlacionam: a cabeça para
“pensar o que se sente e o que se faz”; o coração para “sentir o que se pensa e
o que se faz”; e as mãos para “fazer o que se sente e se pensa”[15].
III. LUGARES DO ENCONTRO
A Igreja
13. Que a Igreja, como comunidade de crentes, é o lugar
por excelência para encontrar Jesus Cristo, pode ver-se já na vocação dos seus
dois primeiros discípulos, descrita em Jo 1, 35-39. O
impulso parte de João Batista, de quem até então eram discípulos: Vendo Jesus a passar, diz: «Eis o Cordeiro de Deus». E
quando os dois já O seguem, Jesus pergunta-lhes: «Que procurais?»
Resposta deles: «Rabi (…), onde moras?» Sabendo já
quem Ele é, só a morada lhes interessa. E, a convite de Jesus, foram ver onde morava e ficaram com Ele nesse dia. Com
este pormenor: Era por volta das quatro horas da tarde.
Que morada é esta? E a que se refere a hora?
A resposta chega-nos da Última Ceia, em que Jesus prepara os discípulos
para o tempo posterior à sua morte, o tempo da Igreja. Contra o medo de ficarem
sós, assegura-lhes que na casa de meu Pai há muitas
moradas, nas quais lhes vai preparar um lugar, e
promete-lhes: então virei novamente para vos levar
comigo para que onde eu estou estejais vós também (Jo 14, 2.3).
Que essa morada não é somente a celeste, vê-se pela repetição da
promessa: Quem me ama guardará a minha palavra e meu Pai
o amará; nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada (Jo
14, 23). Esta vinda dar-se-á através do Espírito Santo Paráclito (cf. Jo 14,
26), que Ele, ressuscitado, de facto lhes transmite, capacitando-os, a eles e a
todos os crentes, para o amor obtido pelo perdão (cf. Jo 20, 22-23) – o amor
fraterno que nos identifica como seus discípulos e nos une na sua Igreja (cf.
Jo 13, 35; 17, 20-23).
Quer isto dizer que as quatro horas da tarde,
em que os primeiros discípulos entraram na morada de Jesus, apontam possivelmente
para a hora a seguir à da sua morte[16] – a hora em que do seu peito,
trespassado pela lança do soldado, saiu sangue e água (Jo
19, 34), tradicionalmente relacionados com o Batismo e a Eucaristia, de que
vive a Igreja. Daí a afirmação, com base nisso, de que a Igreja começou e
cresceu “pelo sangue e pela água saídos do lado aberto de Jesus crucificado”[17]. De facto, é nela que Jesus Cristo vem
ao nosso encontro, tal como João Batista no-lo apresenta: Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo
1, 29) – isto na Eucaristia, memorial do amor infinito manifestado na sua morte
e ressurreição.
14. Por isso, é sobretudo aí, “no santo Sacrifício da
Missa” e “principalmente sob as espécies eucarísticas”, que Ele está presente[18]. Mas, dentro ou fora da celebração
eucarística, Ele “está presente na sua Igreja de múltiplos (outros) modos: na
sua Palavra, na oração da Igreja, onde dois ou três estão reunidos
em meu nome (Mt 18, 20), nos pobres, nos doentes, nos
prisioneiros (cf. Mt 25, 31-46), nos seus sacramentos, dos quais é o autor (…)
e na pessoa do ministro”[19].
Vejamos como, em alguns desses lugares, podemos encontrar-nos com Ele.
A palavra da Escritura
15. Que “todas as Escrituras (a Lei, os Profetas e os
Salmos) se cumpriram em Cristo”[20], de tal modo que, como diz S. Jerónimo,
“desconhecer as divinas Escrituras é desconhecer Cristo”[21], vê-se ainda, entre inumeráveis
exemplos, na sua apresentação como Cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo. Tudo indica que se inspira no Cordeiro Pascal, do
livro do Êxodo, e no Servo de Deus, do livro de Isaías: na cruz, Jesus foi
realmente o Servo que suportou as nossas enfermidades
e tomou sobre si as nossas dores (…), como cordeiro levado ao matadouro (Is
53, 4.7; cf. v. 11); e foi o Cordeiro Pascal do qual se diz: nenhum osso lhe será quebrado (Ex 12, 46 citado em
Jo 19, 36). E na medida em que, como nosso cordeiro pascal, foi
imolado (1 Cor 5, 7), assim nos libertou da escravidão do
pecado e continua a libertar, designadamente pela Sagrada Escritura que d’Ele fala e em que Ele nos fala.
16. Esta é uma das características da Bíblia que, para
nós crentes, a distingue de qualquer outro livro: “As Sagradas Escrituras
contêm a Palavra de Deus e, por serem inspiradas, são verdadeiramente Palavra
de Deus”. Ou ainda, pela mesma razão: “Nos Livros Sagrados, o Pai que está nos
Céus vem carinhosamente ao encontro dos seus filhos, para conversar com eles”[22]. Isto é, ao lermos ou escutarmos os
textos bíblicos, nesse preciso momento está Deus a falar-nos, o mesmo Deus que
inspirou os autores humanos, fazendo suas – isto é, sagradas – as obras por
eles escritas, e nelas se comunica. Daí a eficácia que o texto bíblico tem –
desde que lido ou escutado “segundo o Espírito que habita na Igreja”,[23] o mesmo Espírito que o inspirou.
Para isso é necessário cuidar do ambiente em que é
feita a leitura, sobretudo pela oração, como aliás acontece nas
celebrações litúrgicas; ou nos encontros de catequese, por norma centrados num
ou mais textos bíblicos; ou na lectio divina ou
leitura orante, pessoal ou comunitária, especialmente propícia para “criar o
encontro com Cristo, Palavra divina viva”[24]; ou em expressões de piedade popular,
como a Via-Sacra e o Rosário, em que cada estação e cada mistério são
introduzidos por uma leitura bíblica.
17. Com tudo isso nos congratulamos, mas é preciso mais.
Uma regular leitura da Bíblia ainda não entrou nos hábitos de muitos cristãos,
mesmo daqueles que, na catequese da infância, dedicaram todo um ano a
conhecê-la.
Por isso assumimos o desejo do Papa Francisco expresso no final do Ano
Santo da Misericórdia: “Que cada comunidade pudesse, num domingo do Ano
Litúrgico, renovar o compromisso em prol da difusão, conhecimento e
aprofundamento da Sagrada Escritura: um domingo dedicado inteiramente à Palavra
de Deus, para compreender a riqueza inesgotável que provém daquele diálogo
constante de Deus com o seu povo”[25].
E sugerimos, como data, o domingo em que nas nossas comunidades cristãs se
celebra a Festa da Palavra conclusiva do ano catequético dedicado à Sagrada
Escritura (com o título: Tens Palavras de Vida Eterna,
de Jo 6, 68). Para as crianças em festa será um meio de se sentirem ainda mais
integradas na comunidade: na medida em que esta acolhe o seu testemunho
evangelizador acerca da experiência que fizeram com a Palavra de Deus e, desse
modo, as incentiva a continuarem a ler a Bíblia, dentro e fora da catequese. E
isto integrado na celebração em que deve ser maior a comunhão da comunidade,
porque proveniente do encontro pessoal de cada um com Jesus Cristo no
sacramento em que é mais viva a sua presença.
A Eucaristia
18. Se falamos aqui apenas deste sacramento, é sobretudo
por ele ser, segundo S. Tomás de Aquino, “o sacramento dos sacramentos”[26]. No II Concílio Ecuménico do Vaticano
explicou-se porquê: por ser “fonte e cume de toda a vida cristã”[27]. Isto é, “todos os outros sacramentos
(…), bem como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado estão
unidos com a Eucaristia e a ela se ordenam”, já que “na Sagrada Eucaristia está
contido todo o bem espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa
Páscoa”[28].
E a melhor expressão de “Cristo, nossa Páscoa” está no modo como nos é
apresentado antes de o comungarmos: Eis o Cordeiro de Deus que tira
o pecado do mundo. São palavras que, como já vimos, resumem o mistério pascal de Cristo, em que Ele consumou a obra salvífica para a qual fora enviado
pelo Pai (cf. Jo 19, 30). Baseando-se nas parábolas de Jesus sobre a
misericórdia de Deus (Lc 15), diz o Papa Bento XVI que “na sua morte na cruz,
cumpre-se aquele virar-se de Deus contra si próprio, com o qual Ele se entrega
para levantar o ser humano e salvá-lo – o amor na sua forma mais radical. No
mistério pascal, realizou-se verdadeiramente a nossa libertação do mal e da
morte”[29].
Mas aquelas palavras resumem também o mistério celebrado na Eucaristia, que
Jesus instituiu na festa da Páscoa judaica, centrada no Cordeiro Pascal. Sobre
isso diz ainda Bento XVI: “Jesus é o verdadeiro Cordeiro
Pascal, que se ofereceu espontaneamente a si mesmo em sacrifício por nós,
realizando assim a nova e eterna aliança. A Eucaristia contém nela esta
novidade radical, que nos é oferecida em cada celebração”[30].
19. É este amor tão radical que, no seu memorial
eucarístico, mais nos atrai, fascina e conquista. É então que olhamos para Aquele que trespassaram (Jo 19, 37),
contemplando-O e adorando-O no amor em que todo Ele se nos dá, ao entregar o
seu Corpo e derramar o seu Sangue por nós e por todos. Uma adoração silenciosa
de que irrompe a exclamação de fé: “Anunciamos Senhor a vossa morte,
proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!” Ou depois nos conduz ao
“Ámen”, a expressão da fé com que, antes de O comungarmos, respondemos à
apresentação do seu “Corpo” – o Corpo antes entregue por nós.
É neste sentido que deve entender-se a “participação plena,
consciente e ativa” nas celebrações litúrgicas em que insiste o II Concílio
Ecuménico do Vaticano[31]. E não – como por vezes se pensa,
sobretudo tratando-se de crianças – no sentido de uma “mera atividade exterior
durante a celebração”. Não: “A participação ativa desejada pelo Concílio deve
ser entendida (…) a partir de uma maior consciência do mistério que é celebrado
e da sua relação com a vida quotidiana”[32]. E de facto é isso que o Concílio
recomenda: que os fiéis “sejam instruídos pela palavra de Deus, se alimentem à
mesa do Corpo do Senhor, deem graças a Deus; oferecendo a hóstia imaculada, não
só pelas mãos dos sacerdotes mas também em união com ele, aprendam a
oferecer-se a si mesmos e, por Cristo Mediador, dia após dia, sejam consumados
na unidade com Deus e entre si”[33].
20. Com isto já estamos a falar também das repercussões e efeitos deste sacramento na nossa vida pessoal e
comunitária. Entre as que mais nos situam no encontro com Jesus
Cristo, estão:
·
No âmbito da relação entre a celebração eucarística e a adoração, pessoal
ou comunitária, como “prolongamento visível da celebração eucarística, a qual,
em si mesma, é o maior ato de adoração da Igreja”[34]. Alegra-nos que esteja a crescer o
apreço por ela, inclusivamente da parte de crianças e jovens: apreço sobretudo
pelo silêncio que, em alternância com a palavra, tão propício é para a
intimidade do encontro com o Senhor.
·
Em sentido intraeclesial, a construção da igreja: “Os que recebem a
Eucaristia estão mais estreitamente unidos a Cristo. Por ela, Cristo une todos
os fiéis num só Corpo: a Igreja” – cuja primeira finalidade é “ser sacramento
da união íntima do homem com Deus”[35].
·
Em perspetiva extraeclesial, a evangelização: “Com efeito, não podemos
reservar para nós o amor que celebramos neste sacramento: por sua natureza,
pede para ser comunicado a todos. Aquilo de que o mundo tem necessidade é do
amor de Deus, é de encontrar Cristo e acreditar n’Ele”[36] – com a fé que atua pela caridade (Gal 5, 6).
A vivência da caridade
21. Segundo o Papa Bento XVI, a prática da caridade na
igreja “pertence tanto à sua essência como o serviço dos sacramentos e o
anúncio do evangelho.” Mais: “São deveres que se reclamam mutuamente, não
podendo um ser separado dos outros”[37].
É que também a caridade nasce e se nutre de Cristo,
do encontro pessoal com Ele, naquele supremo ato de doação em que se tornou
o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. E porque
nos é assim apresentado na Eucaristia, por isso Ele aí nos arrasta e envolve
“na dinâmica da sua doação”[38].
Uma doação que se exprime, já na celebração, pelo gesto da paz, mas que tem de alargar-se a toda a nossa vida. Daí
que, a seguir a esse gesto, O invoquemos por três vezes com o mesmo título,
pedindo-lhe que tenha piedade de nós e nos dê a paz – aquela paz que Ele
prometeu na Última Ceia (cf. Jo 14, 27) e transmitiu depois de glorificado na
tríplice saudação: A paz esteja convosco! (Jo
20, 19.21.26); uma paz diferente daquela que dá o mundo (Jo
14, 27), porque radicada no perdão e na reconciliação (cf. Jo 20, 23),
impossíveis sem o poder do amor. E se, por isso, Cristo é a nossa paz (Ef 2, 14), podemos também dizer
d’Ele o que proclamamos sobre Deus: onde há caridade verdadeira, aí habita Ele.
Tanto mais que, como diz S. Agostinho, “se vês a caridade, vês a Trindade”[39].
22. Nesse sentido – àqueles que no juízo universal serão
por Ele julgados – Ele próprio diz estar presente nos carenciados de
alimento, habitação, vestuário, saúde, liberdade. De tal modo que o que fizestes (ou não) a um dos
meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes (Mt 25, 40).
São pequeninos porque carenciados de vida; e irmãos porque Ele tanto viveu para eles, que se
tornaram membros da sua família, parte do seu ser. De modo semelhante diz Ele
das crianças, com uma nos braços: Quem receber uma destas crianças
em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber, não Me recebe a Mim mas
Àquele que Me enviou (Mc 9, 37). Trata-se de um amor universal
e gratuito, próprio de um Deus que de todos é Pai e como tal faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e
injustos (Mt 5, 45). E se há filhos que Ele mais ama, são os
que mais precisam, como a ovelha perdida ou o filho pródigo (cf. Lc 15).
23. De modo semelhante Jesus se diz presente na sua
Igreja: Onde estão dois ou três reunidos em meu nome, eu estou no meio
deles (Mt 18, 20). Está no meio deles, por dois motivos: porque
é Ele quem os une em oração (cf. Mt
18, 19), naquele “encontro da sede de Deus com a nossa. Deus tem sede de que
nós tenhamos sede d’Ele”, como no encontro de Jesus com a mulher samaritana[40]. Daí que Ele esteja no meio de nós
também pelo motivo da oração: o irmão que pecou e que, tendo rejeitado todas as
tentativas humanas para se arrepender, se tornou como um pagão e um publicano, um estranho à Igreja (cf. Mt
18, 15-17); mas do qual ela não pode desligar-se, a exemplo de Jesus,
especialmente amigo de publicanos e pecadores (Mt
11, 19), e sabendo, como Ele diz, que tudo o que ligardes na terra
será ligado no Céu (Mt 18, 18) – designadamente pela oração.
Por tudo isso é em tais situações que Jesus está ainda mais presente na sua
Igreja: quando, pela misericórdia e o perdão, o seu e nosso amor é maior na sua
e nossa Igreja.
Uma catequese comunitária
24. Se “a finalidade última da catequese é pôr as
pessoas não apenas em contacto, mas em comunhão, em intimidade, com Jesus
Cristo”[41]; e se, como acabamos de ver, “o anúncio,
a transmissão e a experiência vivida no Evangelho se realizam na Igreja” –
então “a comunidade cristã é a origem, o lugar e a meta da catequese”[42]. É nesse sentido que a catequese é
comunitária: porque vive da comunidade e para a comunidade.
25. Que a catequese tem de levar os catequizandos a integrarem-se na comunidade cristã
é a conclusão óbvia da reflexão anterior: é sobretudo lá, na Igreja, que podem
encontrar-se com Jesus Cristo Senhor, presente ao vivo na Palavra, na Liturgia,
em especial na Eucaristia e nos sacramentos, e na prática da caridade.
Mas, apesar de tão óbvio, infelizmente a realidade é ainda, em muitos
casos, a oposta. Uma falha grave, que muito preocupa os responsáveis pela
catequese nas nossas dioceses, segundo testemunhos deles recebidos. E com
razão: está aí talvez a causa principal do referido abandono de crianças e
jovens durante ou no final do percurso catequético.
Daí o nosso apelo a cada comunidade cristã, mormente na pessoa dos seus
responsáveis, a que tudo faça para chamar e acolher, com a alegria e o afeto de
mãe, os filhos que gerou pelo batismo e precisam de crescer à luz da Palavra,
com a energia do Pão eucarístico e na alegria da caridade praticada e recebida,
inserindo-os em correspondentes atividades.
Onde isso já se faz, é a própria comunidade a primeira a ganhar, a ser
revitalizada: na quantidade dos seus membros – quantos pais e outros familiares
têm (re)encontrado o caminho para a Igreja e para Deus, levados pelos filhos! –
e na qualidade da sua vida cristã, fruto de uma fé mais esclarecida e convicta
dos seus membros nos encontros de catequese. O que pressupõe a outra dimensão
da catequese comunitária.
26. Que a vida da comunidade entre e se
reflita na catequese: pela experiência e o testemunho de vida dos
próprios catequizandos e catequistas; ou de outros cristãos comprometidos em
atividades comunitárias de caráter missionário, litúrgico ou caritativo; ou
ainda dos santos, especialmente os mais ligados à comunidade local. Em todos
eles a mensagem cristã, porque encarnada na vida pessoal e comunitária, é sem
dúvida muito mais atraente e convincente.
Pela importância da liturgia, merece, neste campo, especial relevância
a catequese mistagógica, isto é, o conhecimento vivencial
dos ritos e símbolos, do silêncio, da linguagem e do canto que, nas celebrações,
nos põem em contacto com o mistério da presença de Cristo. Que isso, segundo
testemunhos recebidos das dioceses, esteja a ter entre nós uma crescente
adesão, é mais um motivo para nos alegrarmos. É que, como escreveu Bento XVI,
“por sua natureza a liturgia possui a eficácia pedagógica própria para
introduzir os fiéis no conhecimento do mistério celebrado.” Um conhecimento em
cujo itinerário entram, ainda segundo ele, três elementos: a “interpretação dos
ritos à luz dos acontecimentos salvíficos”; a introdução “no sentido dos sinais
contidos nos ritos”; e a indicação do “significado dos ritos para a vida
cristã, em todas as suas dimensões”[43]. É um itinerário que atinge todo o nosso
ser – cabeça, coração e mãos – como, segundo o Papa Francisco atrás citado,
deve acontecer em todo o encontro com Jesus Cristo.
IV. MEDIADORES DO ENCONTRO
A comunidade
27. 27. Ninguém que se tenha
encontrado com Jesus Cristo, consegue passar sem O anunciar. Tornou-se uma
necessidade, uma obrigação que me foi imposta,
confessa S. Paulo, exclamando: Ai de mim, se eu não
evangelizar! (1 Cor 9, 16). Tal como, séculos antes, confessava
o profeta Jeremias em relação à palavra recebida de Deus: Havia no meu coração um fogo ardente, comprimido dentro dos meus
ossos. Procurava contê-lo, mas não podia (Jer 20, 9).
O mesmo sucede com os primeiros discípulos que seguem Jesus, o Cordeiro de Deus, e com Ele passam a morar. Primeiro
é André que, mal vê o irmão Simão Pedro, lhe anuncia: Encontrámos o Messias. Um dia depois é Filipe a dizer a
Natanael: Encontrámos Aquele de quem está escrito na Lei
de Moisés e nos Profetas (Jo 1, 41.45).
Ambos usam o verbo encontrámos no
plural e no perfeito, um tempo verbal que, em grego, se refere a um
acontecimento passado, mas que se repercute e mantém no presente. Isto é, ambos
falam em nome dos outros discípulos que, como eles, continuam (a encontrar-se)
com Jesus na sua morada, a sua Igreja.
28. De facto “é sempre da comunidade cristã
que nasce o anúncio do Evangelho, que convida os homens e mulheres à
conversão e a seguirem Cristo”[44]. Foi o caso de S. Paulo, na sua primeira
viagem missionária, com S. Barnabé: tomada a decisão pela comunidade de
Antioquia, de que faziam parte, foi dela que partiram, depois de terem jejuado e orado e lhes terem
imposto as mãos (At 13, 3). E foi para lá que, no final, regressaram e à
comunidade contaram tudo o que Deus fizera com eles (At
14, 27).
O mesmo acontece com a catequese, como aprofundamento do primeiro anúncio e
“ação evangelizadora fundamental de cada Igreja particular” (a diocese). Toda
ela “deve sentir-se responsável por este serviço”; porque “é ela que anuncia,
que transmite o Evangelho, que celebra… Os agentes «servem» este ministério e
agem «em nome da Igreja»”[45].
29. Repare-se como é de “serviço” e “servir” que se fala, isto é, da atitude e ação em que a
prioridade absoluta é dada a quem envia – Jesus Cristo; àqueles a quem se é
enviado – os catequizandos; e ao conteúdo da mensagem – o amor salvífico de
Deus na morte e ressurreição de seu Filho.
Foi assim com S. Paulo, que renunciava até à remuneração a que tinha
direito pelo trabalho missionário, por causa do Evangelho, para me
tornar participante dos seus bens (1 Cor 9, 23), da sua
gratuidade. É que também Cristo não veio para ser servido, mas
para servir e dar a vida pela redenção de todos (Mc 10, 45). E
quem, fascinado por tão radical doação, a Ele se entrega pela fé, fica de tal
modo possuído por Ele, que bem pode exclamar como S. Paulo: Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (Gal
2, 20); ou ainda: O amor de Cristo me impele (2
Cor 5, 15) – em tudo o que faço, designadamente como mediador do encontro com
Ele, na catequese. Então sim: só Cristo nela “é ensinado” e “só Cristo ensina”[46]. Vejamos como isso se concretiza em
alguns dos mediadores:
Os ministros ordenados
30. São eles: os bispos, como “primeiros responsáveis
pela catequese, os catequistas por excelência”, nas suas dioceses; e os
presbíteros e diáconos que, como seus “colaboradores imediatos”, nada devem
descurar “em vista de uma atividade catequética bem estruturada e orientada”[47].
Além da preocupação prioritária pela catequese e dos deveres e iniciativas
a isso inerentes[48], uma coisa devem, uns e outros, ter
presente: a correlação complementar entre a missão de ensinar e as de
santificar e governar. Todas elas concorrem, direta ou indiretamente, para o
mesmo: levar ao encontro pessoal com Jesus Cristo. Só que, para isso, têm os
próprios de deixar-se encontrar por Ele, serem simultaneamente mediadores e
destinatários.
Por exemplo na homilia, particularmente realçada pelo Papa Francisco na
Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”, talvez por ser nela que eles, os
ministros ordenados, mais e melhor podem exercer a missão de ensinar. Neste
caso, com o objetivo de orientar “a assembleia, e também o pregador, para uma
comunhão com Cristo na Eucaristia, que transforme a vida”[49]. Para isso exige-se uma adequada
preparação, a partir dos textos bíblicos e neles centrada, os textos em que
Deus fala primeiro aos próprios pregadores e depois aos destinatários da
homilia, ambos nas situações concretas das suas vidas. Isto é, “quem quiser
pregar, deve primeiro estar disposto a deixar-se tocar pela Palavra de Deus e
encarná-la na sua vida concreta”. E isto, num clima de oração, a lectio divina, durante a qual “o pregador é um
contemplativo da palavra e também um contemplativo do povo”[50]. Antecipa, em parte e pessoalmente, o
que depois acontecerá na celebração.
Na prática, é o mesmo itinerário a seguir pelo catequista.
O catequista
31. O catequista é figura chave na catequese.
E disso têm consciência os responsáveis diocesanos, pelos testemunhos e
sugestões que nos transmitiram. O catequista é figura chave, desde logo por
aquilo que ele é intrinsecamente: “um mediador que facilita a comunicação entre
as pessoas e o mistério de Deus, dos sujeitos entre si e com a comunidade”[51]. É o rosto da comunidade, seu mediador e
porta-voz, o que exige dele a devida integração, aceitação e credibilidade na
comunidade. E torna-se, para os catequizandos, a referência concreta e próxima
do Evangelho que lhes transmite, para os conduzir à comunhão e intimidade com
Jesus Cristo.
Daí deriva, antes de mais, o seu perfil: mais do que
um mestre que transmite saberes, deve considerar-se um guia espiritual que
acompanha no caminho do Senhor. O que só é possível se ele próprio tiver
experiência pessoal do encontro com Ele e conhecer o caminho a percorrer – o
encontro do qual nasce também a sua vocação: é do
“conhecimento amoroso de Cristo que brota o desejo de O anunciar, de
«evangelizar» e levar os outros ao «sim» da fé em Jesus Cristo”[52].
32. E é ainda impelido pelo amor de Cristo que ele
deseja e procura conhecê-lo mais e melhor, isto é, se fundamenta a sua formação, a que “a pastoral diocesana deve dar absoluta
prioridade”[53]. Uma formação em que se inclua: “o próprio ser do catequista”, enquanto pessoa e
cristão; “o saber” tanto da “mensagem que
transmite” como do “destinatário que a recebe”; e “o saber fazer, já que a catequese é um ato de
comunicação”[54]. Mas, tratando-se de uma comunicação
amorosa, de comunhão, a estes saberes juntem-se mais dois: o saber estar em, isto é, na comunidade cristã, que
representa, e partilhando com os outros catequistas o trabalho, se possível, em
equipa orientada por um catequista coordenador; e o saber estar com, isto é, relacionado no dia a dia de
catequista com os catequizandos, para que a mensagem seja compreensível e
próxima, desejável e credível.
Inserida nestas dimensões e como seu esteio, está a formação espiritual do catequista, em que os
contributos vindos das dioceses insistiram particularmente, apresentando mesmo
várias propostas: que se proporcione aos catequistas uma experiência de
primeiro anúncio, centrado no encontro pessoal com Cristo; se desperte neles o
gosto pela lectio divina; e que já no curso de
iniciação se inclua um discernimento sobre a própria vida e vocação, seguido de
acompanhamento espiritual durante o estágio.
E tal formação não pode deixar de ser permanente: entre
outros meios, pela assídua participação na vida litúrgica e de oração da
comunidade e pela preparação dos encontros de catequese à maneira do que foi
dito da preparação da homilia. “Cada tema catequético que o catequista
transmite deve alimentar, em primeiro lugar, a própria fé. O catequista
catequiza os outros catequizando-se primeiramente a si mesmo”[55]. Nesse sentido, siga o itinerário de
preparação, proposto para cada encontro de catequese, como um caminho semanal
de reflexão e crescimento na fé, de conversão permanente, e não apenas como um
mero instrumento pedagógico.
33. E isso vai, de certeza, repercutir-se depois nos
encontros de catequese e para além deles: nos encontros, que devem ser sempre
encontros com Cristo, notar-se-á essa preparação, por exemplo, na dedicação
afetuosa com que o catequista se relaciona com os catequizandos, respeitando-os
na sua identidade e liberdade, escutando-os atenciosamente e, sobretudo,
rezando realmente com eles; para além dos encontros, levá-lo-á a manter-se em
contacto com eles, através nomeadamente dos meios de comunicação que a técnica
hoje oferece, e a rezar diariamente por eles.
E então, sim: Cristo mostrar-se-á ao vivo na vida do catequista e a
catequese prolonga-se por todos os dias da vida dos catequizandos, do mesmo
modo como deve atingir a totalidade do seu ser. E nisto entra já um outro
mediador imprescindível:
A família
34. A família é “insubstituível”[56] na catequese da infância e, ainda
que de modo diferente, da adolescência; isto é, nas fases etárias em que os
catequizandos mais dependem dos pais ou outros responsáveis pela sua educação.
Ora, se o encontro com Cristo deve atingir a totalidade do ser humano, de modo
algum se podem dispensar dele as pessoas que fazem parte da vida dos que com
Ele se encontram.
E não há dúvida de que uma das maiores causas do abandono precoce de
crianças e adolescentes está na falta de envolvimento dos pais e outros
familiares na formação cristã que a comunidade oferece aos filhos. Como podemos
querer que o filho reze diariamente e participe regularmente nos atos da vida
da comunidade, especialmente na Eucaristia dominical, se o não vê fazer os
pais, a que está particularmente ligado?
35. É verdade que os pais, ao pedir o batismo para os
filhos (e ainda são a maioria entre nós), prometem, em público, educá-los
cristãmente; uma educação que depende muitíssimo do exemplo de vida dos
educadores. Só que, chegada a altura da catequese, não basta chamar-lhes a
atenção para esse compromisso, querendo como que obrigá-los a uma prática de
vida de que eles não sentem necessidade, a uma missão de que não estão
convencidos. A fé e a consequente prática cristã pressupõem a liberdade que
radica no amor transmitido por Cristo aos que por Ele se deixam conquistar. Mas
então que fazer para que isso aconteça com pais que (ainda) levam os filhos à
catequese?
O caminho mais fácil e eficaz tem, a nosso ver, de partir daquilo, ou
melhor, daqueles que são a razão de ser de qualquer pai ou mãe que se preze: os
filhos, o amor que têm por eles e o bem que lhes querem. Na grande maioria dos
casos é isso, aliás, que os leva a inseri-los na catequese: reconhecerem o bem
que são para eles os valores que nela se transmitem e cuja aceitação o
Evangelho facilita. E isto ainda mais num mundo como o nosso em que se sente
cada vez mais a falta desses valores. Resumindo: hoje têm de ser os filhos a levar os pais ao (re)encontro com Deus,
convencendo-os a participar em tudo o que faz parte da catequese que pedem para
os filhos.
Aliás, isso já está a acontecer, embora, em geral, de modo ainda
incipiente. Pelo que nos chegou das dioceses, tem crescido o número de pais que
acompanham os filhos nas festas ao longo do seu percurso catequético. E
dizem-nos que, em muitas comunidades, a preocupação de os preparar para uma
participação ativa tem resultado. Há agora que aprofundar e alargar essa
participação: aprofundá-la no campo espiritual, para que também os pais
saboreiem o encontro pessoal com Jesus Cristo; e alargá-la, tanto quanto
possível, aos encontros de catequese, informando os pais dos conteúdos
doutrinais aí transmitidos e, principalmente, incentivando-os a viver, com os
filhos, de acordo com esses conteúdos. Mas, até neste ponto, já existem entre
nós experiências interessantes que veremos no próximo capítulo.
36. Antes disso, há que realçar as vantagens desta inserção dos pais na catequese. A
primeira a ganhar é a própria família que se assim se torna mais “igreja
doméstica”[57]. Impelidos pelo amor de Cristo, aumenta
entre os seus membros a comunhão de que necessitam e que, na sociedade de hoje,
está cada vez mais ameaçada. É o caso sobretudo da comunhão entre marido e
esposa que o matrimónio abençoa e fortalece pelo amor com o qual Cristo amou a sua Igreja e se entregou por ela (Ef
5, 25). E, de facto, “o matrimónio cristão é um sinal que não só indica quanto
Cristo amou a sua Igreja na Aliança selada na cruz, mas torna presente esse
amor na comunhão dos esposos”[58]. E isto para benefício sobretudo dos
filhos que precisam não só de que os pais os amem mas também de que se amem
mutuamente, com o amor que lhes vem de Deus. Só assim estarão em condições de,
com os pais, O amar e invocar como “Pai nosso que estais nos Céus”.
Mas este amor repercute-se muito para além deste âmbito familiar mais
restrito. Repercute-se na comunidade cristã, onde, segundo os bispos italianos,
“a forma particular de amizade que (as famílias) vivem pode tornar-se
contagiosa”[59]. E pode, de modo semelhante, repercutir-se
na sociedade, já que “é da família que saem os cidadãos e é na família que
encontram a primeira escola daquelas virtudes sociais, que são a alma da vida e
desenvolvimento da mesma sociedade”[60].
Outros mediadores
37. Tratando-se de crianças e jovens adolescentes em
idade escolar, são, antes de mais, os docentes de Educação Moral e
Religiosa Católica. Uma disciplina que, sem deixar “a sua
característica peculiar”, visa, contudo e como a catequese, dar a conhecer “a
pessoa de Jesus Cristo e a totalidade do anúncio salvífico por Ele proclamado.”
Mais: para alunos não crentes, pode ser até “um anúncio missionário do
Evangelho, em ordem a uma decisão de fé que a catequese, por seu lado, em
contexto comunitário, fará depois crescer e amadurecer”[61].
Daí a necessidade de haver uma colaboração estreita entre responsáveis
pelas comunidades cristãs dos alunos e seus docentes. E destes esperam-se: o
exemplo de vida cristã; o empenhamento eclesial; e até a organização de
atividades extraescolares, com o objetivo de possibilitar aos alunos um
encontro pessoal com Jesus Cristo. O que, felizmente, já está a fazer-se entre
nós, e com ótimos resultados.
38. Temos depois, dentro da Igreja, as múltiplas associações, movimentos e grupos de fiéis, uns mais
antigos e outros de fundação mais recente, em que a mensagem cristã pode ser
apresentada de modo sistemático ou pontual, como primeiro anúncio ou seu
aprofundamento, insistindo uns mais na componente teórica e outros na prática.
São uma riqueza para a Igreja, que o Papa Bento XVI, na sua visita ao nosso
País, mencionou no discurso que nos dirigiu, a nós bispos. Mas pediu-nos que
vigiemos para que mormente os novos movimentos “queiram viver na Igreja comum,
embora com espaços de algum modo reservados para a sua vida, de maneira que esta
se torne depois fecunda para todos os outros”[62]. É que só na comunhão podemos encontrar
Jesus Cristo – a comunhão em que se respeite e acolha cada um na sua
diversidade.
Nesse sentido, apoiamos duas preocupações manifestadas por responsáveis
pela catequese nas nossas dioceses: a de unir os diferentes agentes da
catequese nas paróquias, de modo a formarem grupos que sejam fermento a levedar
a massa; e a de conjugar as várias mediações educativas que contribuem para a
formação cristã – família, escola, movimentos educativos – já que somente em
convergência e complementaridade terão a eficácia que cada uma, só por si,
dificilmente alcançará.
V. DESTINATÁRIOS DO ENCONTRO
Crianças da primeira infância
39. Que Jesus quer encontrar-se com as crianças já na
mais tenra idade, vê-se pelo episódio de Mc 10, 13-16. Contra
os discípulos, reféns da mentalidade então dominante que via na infância
somente uma etapa para a maturidade e a correspondente capacidade de
produção, Jesus, abraçando-as, começou a abençoá-las,
impondo as mãos sobre elas (v. 16). E antes apresenta-as mesmo
como modelos de fé, pela sua natural dependência e facilidade de entrega aos
outros: Quem não acolher o reino de Deus como uma criança, não entrará
nele (v. 15).
É possível que este episódio seja um sinal de que o batismo, nos primeiros tempos da Igreja, já era
concedido a crianças. É o seu primeiro encontro com Jesus, em que Ele as
acolhe, chamando-as pelo nome, uma das manifestações do seu amor.
Geralmente são os pais a pedir o batismo. Acolhamo-los com a máxima
cordialidade, felicitando-os até pela decisão. E mostremos-lhes, de modo
idêntico, o bem que são, para os filhos que tanto amam, não apenas o batismo
como também a subsequente e necessária educação cristã – nesta fase etária, uma
educação através de imagens e símbolos cristãos que os filhos vão observando,
designadamente em casa; através de explicações simples das festas cristãs em
que participam; através de orações que se vão habituando a dizer ao grande
Amigo que é Jesus, a sua Mãe, ao Anjo da Guarda; através da presença regular
nas celebrações comunitárias, incluindo a Eucaristia dominical, em que vão
imitando o que veem fazer e dizer sobretudo aos pais e outros familiares. É
uma primeira iniciação cristã que, “a maioria das
vezes, deixa uma marca decisiva por toda a vida”[63].
40. Só que, no dizer do Papa Francisco, esta
“transmissão da fé pressupõe que os pais vivam a experiência real de confiar em
Deus, de O procurar, de precisar d’Ele”[64]. O que não acontece com muitos pais,
preocupados (quase) só com a dimensão social do batismo. Mas convenhamos que
até nisso manifestam amor pelos filhos. Apoiemo-nos nele, para tentar
conquistá-los para uma adequada preparação, que não
seja apenas de informação, mas também de formação cristã que
inclua a oração, nomeadamente pelos filhos. E envolvamos nessa preparação
também os padrinhos e, quando possível, os avós, sobretudo sendo crentes.
Neste âmbito, já existem, em algumas dioceses, Centros de Preparação para o
Batismo. E o Secretariado Nacional da Educação Cristã disponibiliza um projeto
de catequese para crianças da primeira infância, chamado “Despertar Religioso”. Segue, grosso modo, o método educativo atrás referido. E
embora tenha sido pensado para jardins de infância, aí já com assinalável
sucesso, pode ser usado também nas paróquias e em casa das crianças pelos pais
ou outros familiares.
Crianças da infância
41. São as crianças que frequentam os primeiros seis anos do percurso de catequese sistemática proposto
por nós e que, em geral, estão ainda profundamente dependentes da família.
Tendo presente a reflexão, feita atrás, sobre a família como mediadora do
encontro destas crianças com Cristo, congratulamo-nos com as múltiplas
iniciativas que, nesse sentido, têm sido tomadas entre nós: a Escola Paroquial
de Pais, com, no mínimo, dois encontros por trimestre, para os informar e
formar nos conteúdos transmitidos aos filhos; encontros de formação de pais
paralelos aos da catequese dos filhos; colaboração dos pais nas sessões de
catequese dos filhos, até como catequistas; catequese intergeracional; pais que
se reúnem para rezar, refletir em comum e partilhar saberes e experiências;
contactos pessoais e regulares dos catequistas com os pais; envolvimento destes
nas festas de catequese dos filhos, preparando-se doutrinal e vivencialmente.
42. Mas, de todas as iniciativas, a mais completa e
eficaz parece-nos ser a chamada Catequese Familiar.
Entre nós foi proposta pelo Secretariado Nacional da Educação Cristã vai para
seis anos, está delineada e construída a partir dos materiais da catequese da
infância (catecismos e guias) e contempla as exigências pedagógicas de uma
tarefa desenvolvida em família, na família e com a família. Mas há muito é
seguida em países da América Latina e da Europa. Caracteriza-se ainda por nela
se envolverem simultaneamente a família e a paróquia.
Primeiramente a família, com pais e filhos na sua relação mútua. Os
primeiros a catequizar os filhos são os pais, mas estes são, ao mesmo tempo,
instruídos nos mesmos temas que transmitem aos filhos. Tanto aprendem os filhos
dos pais, como estes dos filhos. Assim, com os filhos, os pais apercebem-se
melhor de que também eles foram e continuam a ser carenciados e dependentes –
um pressuposto fundamental para a fé em Deus e a missão de educador. Por sua
vez é com os pais que os filhos mais facilmente crescem para o amor que deles
recebem – o amor que tem a sua fonte última e principal em Deus.
E é nesta relação mútua que uns e outros se dirigem a Deus e a Jesus Cristo
seu Filho, no qual todos nos tornamos filhos de Deus, e compreendem melhor o
cerne da mensagem cristã. E esta, ao ser acolhida e vivida, fortalece os
vínculos familiares e faz da família uma verdadeira Igreja doméstica, em que
Jesus se pode encontrar, nomeadamente na oração em comum.
A inserção na vida paroquial é salvaguardada: pelos grupos que formam,
entre si, tanto as crianças como os pais, uns e outros com encontros semanais;
pelos catequistas que os orientam, como representantes da comunidade paroquial;
pela participação semanal, de pais e filhos, na Eucaristia dominical – numa das
quais, por mês, com intervenções relativas à sua caminhada catequética – e
anual nas festas ao longo do percurso catequético. Uma participação que, deste
modo, nem as férias interrompem nem terminará com as referidas festas. Aliás,
foram muitos pais que, felizes com a experiência, pediram que o modelo se
prolongasse até ao início da adolescência dos filhos.
43. É verdade que este modelo de catequese não é fácil
de implementar. Entre os obstáculos encontrados, indicaram-nos: a dispersão dos
pais por muitos compromissos e, por isso, sem tempo nem motivação para este
envolvimento; a sua deficiente escolarização e as carências materiais e
culturais a que algumas famílias estão sujeitas; a separação nas famílias, que
pode impedir que ambos os pais participem nos encontros ou limitar os filhos a
dois por mês; a falta de catequistas preparados, nomeadamente para liderar
grupos de adultos, e de pastores sensíveis e disponíveis.
Mas não são obstáculos intransponíveis. A preparação e a sensibilização,
com tempo e persistência, podem fazer-se. E que o modelo é tão adaptável como
outros a todos os graus de cultura e a situações familiares menos habituais,
mostra-o a experiência onde já é seguido tanto entre nós como em outros países.
Finalmente, para convencer os pais há que abordá-los pessoalmente e começar por
expor-lhes, não as dificuldades, mas as vantagens do modelo para eles e,
sobretudo, para os filhos. Tudo é possível a quem acredita,
diz Jesus ao pai de um surdo-mudo (Mc 9, 23) – e a todos os que com Ele se
encontram para anunciar o seu Evangelho, impelidos pelo seu amor.
É isso que nos leva a apelar uma ainda maior implementação deste modelo nas
nossas dioceses. O caminho já percorrido é suficiente para nos mostrar que é,
dos modelos que conhecemos, o mais comunitário, o menos escolar e o mais
adaptado a todas as crianças, incluindo as que são portadoras de deficiências e
as que se preparam para o batismo pelo catecumenato.
Adolescentes e jovens
44. Ligamos a catequese dos adolescentes à dos jovens, e
não à das crianças, porque a psicologia do adolescente o leva a aproximar-se
principalmente dos que são mais velhos. É essa experiência que leva o
Magistério da Igreja a “distinguir, na idade juvenil, a puberdade, a
adolescência e a juventude,” e a lamentar não se ter “suficientemente em conta
as dificuldades, as necessidades e os recursos humanos e espirituais dos
pré-adolescentes, como se essa fase etária não fosse reconhecida”[65]. Como nos dizia o Papa, tentamos
enfiar-lhes o vestido da Primeira Comunhão, quando este deixou de lhes servir.
De facto, o que eles menos suportam é serem tratados como crianças.
45. Caracterizam-se, primeiramente, pela busca de autonomia e a consequente necessidade de
serem pessoas livres e responsáveis. Tendem a deixar a tutela dos pais para
criar amizade de preferência com colegas da mesma faixa etária. É tal a
necessidade do grupo que este chega a ser preferido à família.
Pois bem: faça-se do grupo de catequese,
antes de mais, um grupo de amigos – para mais, unidos, não apenas por simples
laços humanos, mas pelo amor de Deus revelado em Cristo, o mesmo que une os
cristãos numa só Igreja. Se a dimensão eclesial do grupo é fundamental em todas
as fases da catequese, é-o muito mais na adolescência.
Para isso, há que investir na formação da consciência de grupo: por
exemplo, levando-os a identificar o grupo por um nome por eles escolhido (em
vez do ano de catequese, que lembra logo o da escola); alargando o
relacionamento entre os seus membros para lá do habitual encontro semanal;
relacionando-o com outros grupos, em iniciativas comuns, e com a comunidade e a
sociedade, através de serviços que lhes prestam, como grupo; e, já neste ponto,
conjugando a aprendizagem de conteúdos com essas e outras atividades, de tal
modo que, além da cabeça, entrem também as mãos e o coração na sua formação
cristã.
46. Outra característica a respeitar neles é o aumento da capacidade de raciocínio e do
espírito crítico. Dê-se-lhes então a oportunidade, mais do que nas
fases anteriores do percurso catequético, de intervir ativamente na reflexão
sobre os temas transmitidos, nas decisões a tomar em grupo e na avaliação de
atividades realizadas. E preste-se atenção àqueles que manifestam qualidades de
liderança, para se lhes dar a possibilidade de as desenvolverem no interior do
grupo e de, na fase seguinte da catequese juvenil, poderem ser eles próprios a
acompanhá-lo e orientá-lo.
Para isso, o catequista seja sobretudo um animador que,
em vez de impor e comandar, propõe e orienta. Caminhe com eles, aproveitando os
seus recursos, necessidades e sonhos. Seja, enfim, convicto nas ideias, firme
nas decisões e sobretudo amigo, à maneira de Jesus Cristo de quem é testemunha.
47. É ainda nesta fase que se vai intensificando a
questão da vocação. Se toda a catequese deve
ser vocacional, nesta idade muito mais. E, tratando-se de cristãos, a questão
não pode ser abordada nem resolvida sem Jesus Cristo.
Apresente-se-lhes então “Jesus Cristo como amigo, como guia, como modelo
ideal capaz de provocar admiração e arrastar à imitação”, e o seu amor “como
encarnação do único amor verdadeiro com possibilidade de unir entre si todos os
homens”[66]. Se isto for sendo inserido em encontros
com Ele, de reflexão e oração, surgirão, de modo explícito ou implícito,
reações como a do apóstolo Paulo: Que hei de fazer, Senhor? (At
22, 10); ou do profeta Isaías: Eis-me aqui: podeis enviar-me (Is
6, 8); ou de Maria ao anjo Gabriel, para ser Mãe de Jesus: Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc
1, 37); ou do próprio Cristo, ainda no seio do Pai e antes de encarnar: Eis-me aqui: Eu venho para fazer a tua vontade (Heb
10, 9). E, com Ele e n’Ele, toda a vocação se irá concretizar numa entrega de
amor, como a sua.
48. O discernimento e amadurecimento prolongar-se-á
depois pela juventude propriamente dita.
Como de resto já acontece, ainda que não tanto quanto desejado. Se é verdade
que muitos adolescentes deixam a Igreja depois de anos de catequese, também tem
havido quem fique: jovens que, inseridos em grupos e movimentos ou
comprometidos em atividades eclesiais, vivem a fé de modo exemplar e mexem com
as comunidades de que fazem parte.
E mais serão, se a transição para a idade juvenil seguir o modelo indicado.
Não é fácil dissolver-se um grupo unido por laços tão fortes como os da fé. Há
só que continuar a alimentá-la, não apenas doutrinalmente como sobretudo com
iniciativas a que os jovens de hoje em geral se mostram particularmente
sensíveis: experiências de oração, de encontro pessoal com Cristo, até ao nível
do primeiro anúncio; e entrega voluntária ao serviço de carenciados de bens
tanto materiais, como morais e espirituais.
Adultos
49. Para S. João Paulo II, a catequese de adultos “é
a principal forma de catequese, porque se dirige a
pessoas que têm as maiores responsabilidades e capacidades para viverem a
mensagem cristã na sua forma plenamente desenvolvida.” Deve ser “permanente”,
mas adaptada ao nível de conhecimento e vivência da fé dos seus destinatários e
das circunstâncias de vida em que se encontram, incluindo as da saúde e da
idade[67].
Conscientes disso, publicámos em 1994 uma “Instrução Pastoral sobre a
Formação Cristã de Base dos Adultos”[68], em que indicámos os vários níveis ou
fases desta formação e insistimos na necessidade de uma visão de conjunto e
atualizada da fé e seus elementos integrantes, inserida numa nova
evangelização. São orientações que, porém, não têm obtido a adesão desejada,
tanto na concretização como no grau de participação, onde a formação se tem
realizado. Diz-se que por falta de motivação.
Talvez por isso tenham de ser precedidas de outras iniciativas, já adotadas
entre nós, que apostam no primeiro anúncio,
centrado no encontro pessoal com Jesus Cristo e, consequentemente, numa mais
consciente inserção na vida das comunidades cristãs e num empenhamento
missionário mais audaz e eficaz, dentro e fora da Igreja.
50. O mesmo se aplica às múltiplas
ações de formação para a receção e o exercício de ministérios
eclesiais (no ensino, na liturgia e na caridade), para a celebração de
sacramentos (em especial, os da iniciação cristã e do matrimónio), para a
vivência de tempos litúrgicos e de outras situações ou missões, como a da
paternidade na educação dos filhos. A catequese familiar é um exemplo disso.
E tal como nela, há que partir para essas formações, tanto quanto possível,
da componente prática que as motiva ou deve motivar.
Quem não deseja ser verdadeiramente e para sempre feliz, na comunhão entre
marido e esposa fundada no matrimónio? Ou saborear a alegria de se dar aos
outros, colaborando no ensino catequético, em celebrações da liturgia ou na
vivência da caridade? – Uma alegria cuja fonte última é Cristo.
VI. A ALEGRIA DO ENCONTRO
51. É, no fundo, a mesma alegria das primeiras
testemunhas da ressurreição: a alegria, não apenas por Jesus voltar
à vida, como principalmente por nisso se confirmar “tudo quanto (Ele) em pessoa
fez e ensinou”; a alegria de perceberem que n’Ele se cumpriam as “promessas do
Antigo Testamento”; a alegria, enfim, por Ele, com a “vitória sobre a morte e o
pecado”, nos oferecer uma vida nova e ilimitada, ser “princípio e fonte
da nossa ressurreição futura”[69].
Das testemunhas oculares, a que mais insiste neste último efeito é S.
Paulo. Por exemplo em Rom 6, 8: Se morremos com Cristo,
acreditamos que também com Ele viveremos; ou em 8, 11: Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos
habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também
dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós.
Que notícia mais bela nos poderia ser dada?! – A nós que, como todo o ser
humano, passamos toda uma vida a lutar, direta ou indiretamente e com todos os
meios, contra a morte! Pois bem, desde que Cristo ressuscitou, deixou de ser
uma luta inútil, previamente perdida. Conhecemos o caminho da vitória, o mesmo
que Ele trilhou, e temos os meios para o percorrermos, os que Ele nos oferece
sempre que vem ao nosso encontro e nós O acolhemos na nossa vida.
Mais: com isso, “de certo modo, nós já ressuscitámos com Cristo”[70], como diz ainda S. Paulo: Sepultados com Cristo no batismo, também com Ele fostes
ressuscitados pela fé que tendes no poder de Deus, que O ressuscitou dos mortos (Col
2, 12). Trata-se da fé que atua pelo amor (Gal
5, 6), aquele que levou Cristo a vencer a morte e se apodera de quem com Ele se
encontra. De tal modo que o que vimos sobre a fé se realiza também pelo
amor: Já passámos da morte para a vida, porque amamos os nossos
irmãos (1 Jo 3, 14).
É esta fé traduzida em amor que dá à nossa vida o “novo horizonte”, o “rumo
decisivo” de que fala Bento XVI a propósito do encontro com Jesus Cristo. E é
desta fé vivida no amor que Ele, Cristo, nos impele a sermos testemunhas. O que
redobra a nossa alegria.
52. É de facto neste amor que, como
diz o Papa Francisco, “está a fonte da ação evangelizadora. Porque – explica
ele – se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que
pode conter o desejo de o comunicar aos outros?”[71]
Tem, porém, de ser comunicado tal como é recebido: Nisto conhecemos o amor: Ele (Jesus) deu a vida por nós e nós
devemos dar a vida pelos nossos irmãos. E por isso não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e em
verdade (1 Jo 3, 16.18).
Quantos mediadores de Cristo o são pelo testemunho deste amor! Entre eles,
estão catequistas que se não limitam a anunciar Cristo
por palavras, mas simultaneamente O mostram ao vivo, no modo responsável e
dedicado, gratuito e alegre, com que o fazem e se entregam aos catequizandos.
Para eles toda a nossa gratidão: pelo bem que assim fazem aos catequizandos e
suas famílias, à comunidade que representam, à Igreja e à sociedade em geral –
um bem que acaba sempre por reverter em seu próprio bem.
É que “a vida alcança-se e amadurece à medida que é entregue para dar vida
aos outros”[72]. E haverá maior alegria do que a de ver
a vida que recebemos a alargar-se à vida daqueles a quem nos damos e, por meio
deles, a tantos, tantos outros, numa cadeia que não mais acaba?!
53. Foi certamente dessa alegria que comungou a Virgem Santa Maria, depois de totalmente se entregar ao
Senhor, como sua escrava, para ser Mãe e Medianeira do Filho do Altíssimo: a
alegria expressa no seu Magnificat, a que aqui nos associamos para, com ela,
louvarmos o Senhor pelas graças que tem concedido à Igreja e ao mundo,
nomeadamente nos cem anos desde as suas aparições em Fátima.
Fazemo-lo também na esperança de que a mensagem, que ela então nos deixou e
cuja atualidade recentemente realçámos, contribua de facto para “a
revitalização da nossa fé e do nosso compromisso evangelizador”[73], a mesma revitalização que tanto
desejamos para a catequese nas nossas dioceses.
Lisboa, 13 de maio de 2017
[1] Bento XVI, Discurso aos Bispos de Portugal (Roma,
10.11.2007), in Lumen, III, 68 (2007, 6) 20.
[2] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
3. Acerca do caráter programático da Exortação Apostólica vejam-se os n. 1 e
25.
[3] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
266.
[4] Papa
Francisco, Discurso do Papa aos Bispos Portugueses em
visita “ad Limina Apostolorum”, in Lumen, III, 76
(2015, 5) 3-6. São do Santo Padre todas as citações que se seguem, até que
outra fonte seja indicada (os negritos são nossos).
[5] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
70.
[6] Cf. Papa
Francisco, Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho:
título e conteúdo dos n. 262-283.
[7] Bento XVI, Homilia durante a Santa Missa de abertura do Ano da Fé,
in AAS 104 (2012) 881 (citada pelo Papa Francisco na
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
86). Sobre esta sede de Deus vejam-se ainda os n. 71, 89 e 123.
[8] Catecismo da Igreja Católica, 639.
[9] Catecismo da Igreja Católica, 640, com alusões a Jo 20,
13 e Mt 28, 11-15 acerca do possível roubo do corpo de Jesus.
[10] Catecismo da Igreja Católica, 642 (o negrito é nosso).
[11] Bento XVI, Homilia da Missa de Marienfeld. XX Jornada Mundial da Juventude,
in Lumen, III, 66 (2005, 5) 27.
[12] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho:
parte do título dos n. 163-168.
[13] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
163.
[14] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
164.
[15] Papa
Francisco, Entrevista à Radio Renascença, in
Aura Miguel, Conversas em Altos Voos, 93.
[16] Pelas três da
tarde, segundo Mt 27, 46; Mc 15, 35; Lc 23, 44.
[17] Concílio
Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática A Santa
Igreja, 3.
[18] Concílio
Ecuménico Vaticano II, Constituição sobre a Sagrada
Liturgia, 7.
[19] Catecismo da Igreja Católica, 1373.
[20] Catecismo da Igreja Católica, 2763, com uma alusão a Lc
24, 44.
[21] Jerónimo, Comentário a Isaías, prólogo, PL 24, 17 (citado em
Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a
Revelação Divina, 25).
[22] Concílio
Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a Revelação
Divina, 21.
[23] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 127.
[24] Bento XVI,
Exortação Apostólica A Palavra de Deus, 87.
[25] Papa Francisco,
Carta Apostólica no termo do Jubileu Extraordinário da Misericórdia Misericordia et Misera, 7.
[26] Tomás de
Aquino, Suma Teológica, 3, q. 65, a. 3 (citado no Catecismo da Igreja Católica, 1211).
[27] Concílio
Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática A Santa
Igreja, 11.
[28] Concílio
Ecuménico Vaticano II, Decreto sobre o Ministério e
Vida dos Sacerdotes, 5.
[29] Bento XVI,
Exortação Apostólica Pós-sinodal Sacramento da Caridade,
9.
[30] Bento XVI,
Exortação Apostólica Pós-sinodal Sacramento da Caridade,
9.
[31] Concílio
Ecuménico Vaticano II, Constituição sobre a Sagrada
Liturgia, 14 (o negrito é nosso).
[32] Bento XVI,
Exortação Apostólica Pós-sinodal Sacramento da Caridade,
52.
[33] Concílio
Ecuménico Vaticano II, Constituição sobre a Sagrada
Liturgia, 48.
[34] Bento XVI,
Exortação Apostólica Pós-sinodal Sacramento da Caridade,
66.
[35] Catecismo da Igreja Católica, 1396.775.
[36] Bento XVI,
Exortação Apostólica Pós-sinodal Sacramento da Caridade,
84.
[37] Bento XVI,
Encíclica Deus é Amor, 22.25.
[38] Bento XVI,
Encíclica Deus é Amor, 13.
[39] Agostinho, Acerca da Trindade, VIII, 8, 12 (citado em Bento XVI, Encíclica Deus é Amor, 19).
[40] Catecismo da Igreja Católica, 2560 (acerca de Jo 4,
10).
[41] João Paulo II,
Exortação Apostólica Catequese para Hoje,
7.
[42] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 217.254 (o negrito é
nosso).
[43] Bento XVI,
Exortação Apostólica Pós-sinodal Sacramento da Caridade,
64.
[44] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 254 (o negrito é nosso).
[45] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 218-219 (incluindo a nota
13).
[46] João Paulo II,
Exortação Apostólica Catequese para Hoje,
6: acerca do coração da catequese.
[47] João Paulo II,
Exortação Apostólica Catequese para Hoje,
63-64.
[48] Veja-se o seu
elenco em Congregação para o Clero, Diretório Geral da Catequese,
222-227.
[49] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
138.
[50] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
150.154.
[51] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 156.
[52] Catecismo da Igreja Católica, 429.
[53] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 234.
[54] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 238.
[55] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 239.
[56] João Paulo II,
Exortação Apostólica Catequese para Hoje, 68
(o negrito é nosso).
[57] Concílio
Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática A
Santa Igreja, 11.
[58] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
73.
[59] Conferência
Episcopal Italiana. Comissão Episcopal para a Família e a Vida, Orientações pastorais acerca da preparação para o Matrimónio e
Família, 1 (citação do Papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Amor, 207).
[60] João Paulo II,
Exortação Apostólica A Família Cristã,
42.
[61] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 73-75.
[62] Bento XVI, A Responsabilidade da autoridade é um serviço ao crescimento dos
outros. Discurso no encontro com os Bispos de Portugal (Fátima, 13.05.2010),
in Lumen, III, 71 (2010, 3) 54.
[63] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 226.
[64] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Amor,
287.
[65] Congregação para
o Clero, Diretório Geral da Catequese, 181.
[66] João Paulo II,
Exortação Apostólica Catequese para Hoje, 38.
[67] João Paulo II,
Exortação Apostólica Catequese para Hoje,
43 (o negrito é nosso). Cf. também 44-45.
[68] Conferência
Episcopal Portuguesa, Instrução Pastoral sobre a formação
cristã de base dos adultos, in Documentos
Pastorais. 1991-1995, IV,
261-277.
[69] Catecismo da Igreja Católica, 651.652.654.655: sobre o
sentido e alcance salvífico da ressurreição.
[70] Catecismo da
Igreja Católica, 1002.
[71] Papa Francisco,
Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
8.
[72] V Conferência
Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29.06.2007) (citado pelo
Papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho,
10).
[73] Palavras
iniciais da Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa no Centenário
das Aparições de Nossa Senhora em Fátima, Fátima, Sinal de Esperança para
o Nosso Tempo, in Lumen, III, 78
(2017, 1) 10-19.
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